segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

O mapa - Murilo Mendes

Me colaram no tempo,
me puseram
uma alma viva
e um corpo desconjuntado.

Estou limitado ao norte pelos sentidos,
ao sul pelo medo,
a leste pelo Apóstolo São Paulo,
a oeste pela minha educação.

Me vejo numa nebulosa,
rodando sou um fluído,
depois chego à consciência da terra,
ando como os outros,
me pregaram numa cruz, numa única vida.

Colégio. Indignado, me chamam pelo número, detesto a hierarquia.
Me puseram o rótulo de homem, vou rindo,
vou andando, aos solavancos.

Danço. Rio e choro, estou aqui, estou ali, desarticulado, gosto de todos, não gosto de ninguém, batalho com os espíritos do ar,
alguém da terra me faz sinais,
não sei mais o que é o bem nem o mal.

Minha cabeça voou acima da baía, estou suspenso, angustiado, no éter,
tonto de vidas, de cheiros, de movimentos, de pensamento,
não acredito em nenhuma técnica.

Estou com os meus antepassados,
me balanço em arenas espanholas, é por isso que saio às vezes pra rua combatendo personagens imaginários, depois estou com os meus tios doidos, às gargalhadas, na fazenda do interior, olhando os girassóis do jardim

Estou no outro lado do mundo,
daqui a cem anos, levantando populações...
Me desespero porque não posso estar presente a todos os atos da vida.

Onde esconder minha cara? O mundo samba na minha cabeça. Triângulos, estrelas, noite, mulheres andando, presságios brotando no ar,
diversos pesos e movimentos me chamam a atenção o mundo vai mudar a cara, a morte revelará o sentido verdadeiro das coisas.

Andarei no ar.
Estarei em todos os nascimentos
e em todas as agonias,
me aninharei nos recantos do corpo da noiva,
na cabeça dos artistas doentes, dos revolucionários.

Tudo transparecerá:
vulcões de ódio, explosões de amor, outras caras aparecerão na terra, o vento que vem da eternidade suspenderá os passos
dançarei na luz dos relâmpagos,
beijarei sete mulheres vibrarei nos cangerês do mar, abraçarei as almas no ar
me insinuarei nos quatro cantos do mundo.

Almas desesperadas eu vos amo.
Almas insatisfeitas, ardentes.
Detesto os que se tapeiam,
os que brincam de cabra-cega com a vida, os homens "práticos"...

Viva São Francisco e vários suicidas e amantes suicidas,
os soldados que perderam a batalha,
as mães bem mães,
as fêmeas bem fêmeas,
os doidos bem doidos.

Vivam os transfigurados, ou porque eram perfeitos ou porque jejuavam muito.
viva eu, que inauguro no mundo o estado de bagunça transcendente.

Sou a presa do homem que fui há vinte anos passados, dos amores raros que tive,
vida de planos ardentes, desertos vibrando sob os dedos do amor,
tudo é ritmo do cérebro do poeta.

Não me inscrevo em nenhuma teoria,
estou no ar, na alma dos criminosos,
dos amantes desesperados, no meu quarto modesto da praia de Botafogo, no pensamento dos homens que movem o mundo,
nem triste nem alegre, chama com dois olhos andando, sempre em transformação.

Clássico

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Solidão Urbana (repost)

...então ele parou, acendeu seu cigarro e deu o primeiro gole de café preto. Os pensamentos corriam a solta em sua mente, não sabia aonde seus devaneios chegariam, entretanto, sabia que chegariam em algum lugar. Certamente naquele sofá que ele estava sentando, questionando o que deveria fazer naquele dia insosso, sem sol, sem chuva, apenas com nuvens no céu.
As suas sobrancelhas era a única forma de comunicação com o mundo, oras reprovando o pensamento, oras duvidando, oras aprovando, oras não compreendendo ao certo o porque de tudo aquilo. Por que sim era muito pouco para os seus questionamentos matinais.
Levanta, após ter fumado todo o cigarro e bebido todo o café.
Tudo aquilo era pouco para sua ambição, mas era o bastante por todas as suas conquistas.
Estava tranquilo, porém inquieto.
Então ele parou!
Descobriu que dentro de suas ansiedades existiam ansiedades, e queria preencher de alguma forma, algo que estivesse ao seu alcance. Olhou pela janela e ali ficou.
E justamente nessa janela que o sustentava, ele percebe que naquele dia tão insosso, ele acordou para ser, apenas, mais um personagem, de algum quadro Hopperiano. Solidão urbana, realmente existe e ele sabia lidar bem com isso.
(Toca o telefone)
Alô...